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Compra e Venda de Imóveis Rurais: Cuidados Fundamentais que Aprendi em Mais de 15 Anos de Atuação com Produtores no Tocantins

Por: Danilo Amâncio Cavalcanti

Advogado especialista em Direito Agrário. Mais de 15 anos de atuação com produtores rurais, sendo 12 desses anos dedicados à compra e venda de imóveis rurais no Estado do Tocantins.

A aquisição de um imóvel rural é, para muitos, a realização de um sonho: seja para iniciar uma atividade produtiva, expandir a propriedade ou até como investimento de longo prazo. Mas, ao longo dos meus anos de atuação, pude ver de perto que a falta de cautela na compra ou venda de uma fazenda pode transformar esse sonho em uma fonte de grandes problemas jurídicos, financeiros e emocionais.

Este artigo é fruto da minha experiência auxiliando produtores rurais na aquisição, alienação e regularização de imóveis rurais em todas as regiões do Tocantins. Reuni aqui os principais cuidados práticos e jurídicos que considero indispensáveis antes de fechar qualquer negócio.

1. Saiba exatamente o que você está comprando – e para quê

O primeiro passo é refletir: qual será a finalidade do imóvel? Agricultura? Pecuária? Lazer? Investimento?

A resposta a essa pergunta vai determinar quais características são prioritárias: solo fértil, relevo plano, disponibilidade de água, acesso facilitado, presença de benfeitorias, estrutura de pastagem, energia elétrica, entre outros.

É imprescindível visitar o imóvel pessoalmente, verificar áreas desmatadas e preservadas, checar a infraestrutura e conversar com vizinhos. Também é essencial apurar se há posseiros, grileiros ou invasores. A presença de terceiros pode gerar litígios e comprometer totalmente a posse do imóvel adquirido.

2. Documentação: o ponto mais sensível e decisivo

Negócios mal documentados representam a maior causa de litígios que atendi nesses anos.

A análise documental deve começar pela matrícula do imóvel, com certidão de inteiro teor atualizada e certidão de ônus reais. Com isso, o comprador poderá conferir:

  • Se o imóvel está registrado corretamente;
  • Se há hipotecas, penhoras, indisponibilidades ou outras restrições;
  • Se o vendedor é, de fato, o proprietário legítimo.

Além disso, é necessário solicitar:

  • Certidões negativas do imóvel e do vendedor (federais, estaduais, trabalhistas, protestos, SPC/Serasa);
  • CCIR e ITR dos últimos 5 anos;
  • Cadastro Ambiental Rural (CAR), de preferência já validado pelo órgão ambiental.

Sempre oriento os clientes a realizarem pesquisa nos sites dos tribunais do estado onde o vendedor reside e também em bancos de dados de restrição ao crédito, para evitar comprar de pessoas envolvidas em litígios que possam comprometer a transação.

3. Atenção aos custos da operação

O valor do imóvel é apenas uma parte do investimento. O comprador arcará, em regra:

  • Com o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), cuja alíquota varia entre 1% e 3%;
  • Com os emolumentos cartorários para lavratura da escritura pública;
  • Com o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis.

Importante destacar: a escritura pode ser feita em qualquer cartório de notas, mas o registro só pode ser feito na circunscrição do imóvel.

4. Desconfie de imóveis baratos demais

Ao longo da minha atuação, vi muitos produtores atraídos por preços irrisórios que, na verdade, escondiam:

  • Débitos judiciais;
  • Ocupações irregulares;
  • Matrículas sobrepostas;
  • Problemas ambientais;
  • Inventários não finalizados.

Nesses casos, recomendo solicitar avaliação independente e fazer pesquisa de imóveis similares na mesma região para entender o valor real de mercado.

5. Cuidado redobrado com imóveis em situações especiais

Negócios envolvendo imóveis:

  • Em processo de inventário;
  • Gravados com hipoteca ou alienação fiduciária;
  • Ofertados em leilões judiciais;

Exigem atenção extrema. A venda nesses casos pode depender de autorização judicial, liberação de garantia por instituição financeira, ou corre risco de ser anulada por vícios processuais.

Jamais recomendo seguir adiante nesses casos sem acompanhamento jurídico especializado.

6. A importância de registrar o compromisso de compra e venda

Muitos negócios são formalizados apenas com um “contratinho particular” e uma promessa de escritura posterior. Isso é um erro.

O compromisso de compra e venda, se lavrado por escritura pública e registrado na matrícula do imóvel, confere direito real ao comprador (art. 1.225, VII do Código Civil). Isso significa que:

  • O contrato terá eficácia contra terceiros;
  • O comprador poderá exigir judicialmente a conclusão da venda;
  • Evita-se que o imóvel seja vendido novamente a outro interessado.

Mas atenção: para produzir efeitos plenos, o compromisso não pode conter cláusulas de arrependimento, conforme determina o Decreto-Lei 58/1937 e o art. 463 do Código Civil.

7. Regularidade ambiental: o que não pode faltar

O imóvel rural deve possuir CAR válido – o simples protocolo de inscrição não é suficiente. A validação do CAR garante que as informações de Reserva Legal, APPs e hidrografia estão corretas e homologadas pelo órgão ambiental.

Além disso, o imóvel deve possuir CCIR atualizado e estar em nome do vendedor, sob pena de o negócio não ser registrado.

O comprador também deve fazer uma minuciosa busca por passivos ambientais como multas e embargos, solicitando certidões junto ao órgão ambiental estadual e federal da localidade do imóvel.

8. Verifique a situação do georreferenciamento do imóvel rural

Outro ponto de extrema importância na compra de imóveis rurais é a verificação do georreferenciamento da propriedade. Trata-se do processo de mapeamento exato do imóvel com coordenadas geográficas, conforme exigido pela Lei nº 10.267/2001.

O comprador deve dar preferência a imóveis com georreferenciamento certificado no Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do INCRA e cuja certificação já esteja averbada na matrícula. Isso assegura que os limites da propriedade foram oficialmente reconhecidos e evita surpresas desagradáveis no futuro.

É altamente recomendável evitar:

  • Imóveis com georreferenciamento apenas cadastrado, sem a retificação administrativa da matrícula;
  • Imóveis com conflitos de sobreposição, divergência de confrontações ou pendências técnicas no sistema do INCRA.

Essas situações podem dificultar ou impedir o registro da transação, o desmembramento da área, a obtenção de financiamentos e até a emissão de títulos definitivos.

Conclusão

Comprar ou vender um imóvel rural não é um negócio trivial. A experiência me ensinou que a pressa, a confiança cega ou a economia com assessoria são os ingredientes mais comuns para um litígio futuro.

Todo negócio deve ser documentado, analisado e registrado com critério técnico e jurídico. O produtor deve contar com advogado especializado, corretor rural confiável e técnico ambiental capacitado, formando uma equipe que assegure segurança e legalidade à transação.

A prevenção é, sem dúvida, a melhor forma de garantir que um bom negócio no campo se transforme em prosperidade e tranquilidade – e não em disputas judiciais intermináveis.

(1) ANEXO – Checklist de Documentos para Compra e Venda de Imóvel Rural

Documentação do Vendedor

Pessoa Física:

  • RG e CPF autenticados
  • Certidão de casamento atualizada
  • Escritura de pacto antenupcial (se houver)
  • Comprovante de residência
  • Profissão (de ambos os cônjuges, se for o caso)

Pessoa Jurídica:

  • Contrato social consolidado
  • Inscrição no CNPJ
  • RG e CPF dos sócios administradores
  • Certidão simplificada da Junta Comercial
  • Certidão negativa de tributos federais
  • Certidão negativa de contribuições previdenciárias (INSS)

Documentação do Comprador

  • RG e CPF (do cônjuge também, se for o caso)
  • Certidão de nascimento ou casamento
  • Escritura de pacto antenupcial (se houver)
  • Comprovante de residência completo
  • Profissão

Documentação do Imóvel

  • Matrícula atualizada com certidão de inteiro teor
  • Certidão negativa de ônus e ações reais
  • CCIR emitido pelo INCRA
  • ITR (últimos 5 anos)
  • Cadastro Ambiental Rural (CAR) validado
  • Certificação de georreferenciamento no SIGEF e averbação na matrícula
  • Certidões negativas de infrações e embargos ambientais estaduais e federais

Certidões Complementares

  • Justiça Federal
  • Justiça do Trabalho
  • Distribuidores Cíveis (ações cíveis, execuções fiscais, família)
  • Certidão de falência ou recuperação judicial
  • Cartórios de protestos
  • Consulta a SPC e Serasa

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.
  • BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal).
  • BRASIL. Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
  • BRASIL. Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937.
  • BRASIL. Decreto nº 93.240, de 9 de setembro de 1986.
  • INCRA. Manual de Georreferenciamento de Imóveis Rurais.
  • MMA. Cadastro Ambiental Rural – www.car.gov.br
  • Portal JusBrasil – Jurisprudência e legislação comentada.

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